22 janeiro 2012

morro de saudade de você, mas aí eu finjo que não só para esquecer

e ela sorriu, mas não notei que seus olhos tivessem se alegrado

entre eu e você falta mentira

22 setembro 2011

Leia essas linhas. Não, não parei de escrever para viver, ao contrário do que imagina. Parei de viver para não escrever! Digo e espero qualquer reação. Continuo. Não me saíram as putas das letras para as ruas. Essas sim, pedras entortadas pelo tempo, pelos solados mais duros, estão a entrar cada vez mais nessa tinta. E ficam presas na fonte, molhadas de preto azul vermelho. E paro e de novo aguardo um esboço de semblante qualquer e nada. Todo o meu tempo de escrita foi manchado pelas cores da vida, moldado pelos martelos dos homens mais sujos, sujos e castos, eu os queria castos. Naquele tempo, apesar de viver eu escrevia, e podia colocar no papel cheiros da rua, de creolina minério e mijo. Sentia o suor da cidade durante o dia e recriava seus sabores quando recostava em meu leito. A cidade eram várias; eu indo de ponto a ponto, olhando para os portos como um recém-nascido, cego de luz, engasgado de vida e pronto para chorar ao primeiro tapa. Eram muitos os leitos e por mais que tentasse ocupá-los esbarrava sempre na rotina de recato e solidão consolidada, vontade de escrever e nada. Leia esse texto.

26 agosto 2010

Quanto de sol há na morena amarela que samba na roda sorrindo seus cabelos de leoa aos súditos animais que seguem em bando pelas cifras tortas com seus instrumentos surrados pelas mãos dóceis que em peles sopros e cordas somente imaginam sufocar o amor que lhes escorre pelos poros?

Por que não a idolatram e assim sambaria alegre aceitando lá-iá-lá-iás que lhe penetrariam os ouvidos e desceriam pelo ventre. Por que não não os acaricia ela e assim sentiriam versos subindo pelas pernas.

24 agosto 2010

ensaio versos em espanhol engulo a seco consoantes confundo bês com vês arrisco passos no escuro do seu tablado. mas me confundo todo não sei métrica cruzo as pernas em um traçado caótico prometo poemas que nunca serão lidos.

16 agosto 2010

entre as duas ou três coisas que meus pais não me ensinaram está a lição que diz respeito a esse blog: não transforme suas desilusões em textos medíocres.

E sendo difícil não ser ridículo na atual conjuntura, melhor nem escrever.

Vai cantar samba!
Vai ouvir Otto, menino!
Vai ouvir Caetano!

24 julho 2010

pt 3

443. Três algarismos gravados na pequena placa pregada na borda direita superior do túmulo de mármore branco. Nascida em 28 de maio de 1960. Morta em 21 de setembro de 1977. Nem 18 anos ainda. 443. Quanto ao número do jazigo, ela não via nenhuma coincidência. "Sempre me guio pelos anjinhos". Apontava um mausoléu alto, cinza, adornado por 3 anjos que podiam ser vistos de qualquer ponto do cemitério municipal. Dez anos depois, pisando sem medo nos túmulos mal-cuidados e me guiando pelos anjinhos, voltei a ler aquela frase e estava escrita exatamente como me lembrava. Agora posso dizer que ela mesma, a frase, punha em prática a teoria que propagandeava. "A simplicidade é a atitude natural das almas sinceras". Nada de jazes, lembranças, saudades, tristezas. Uma compreensão plena da vida como aprendizado. Uma frase incômoda porque parece só poder ter sido escrita pela garota de 17 anos que morreu sabe-se lá se por doença ou acidente. Talvez porque tenha desejado morrer e assim seguiu rumo ao fim que imaginou para si e tomou remédios deitada em sua cama fechou todas as janelas da casa e abriu o gás cortou os pulsos sentada no chão frio do banheiro jogou-se da ponte no ponto mais caudaloso do rio barrento mas muito certamente não se deu um tiro na cabeça nem pulou de um prédio nem se deu 3 facadas no peito e antes de morrer escreveu seu testamento deixo minha coleção de bonecas para minha irmã mais nova e meus discos de rock para a Betânia e aquela saia verde pregueada para a Doralice só quero que me enterrem com o vestido branco de alças sem maquiagem de defunto nem de mulher viva indo para o baile de formatura por favor não invistam em nenhum grande funeral a simplicidade é a atitude natural das almas sinceras. Assim encerrou aquelas linhas que não explicavam o que todos esperavam descobrir mas tratava de deixar como legado a conclusão tão clara e tão certa de que 17 anos foram suficientes para definir o sentido da vida em uma frase tão clara e tão certa quanto deveria ser pratica-la (a frase).

17 julho 2010

pt 2

O carro de som que passou de manhã anunciando se calou estacionado junto ao muro. “O féretro partirá às quatro da matriz”. Féretro. Claustro. Da categoria palavras sinuosas que vão caindo em desuso terminadas em tro. Hoje eu sei que féretro só era féretro pra gente de lá. O caixão sacolejando nas ruas de pedra, empurrado ladeira acima, perseguido – mais do que acompanhado – de perto pelo povo. O ato derradeiro: cruzar a rodovia. Onde já se viu? Atravessar a BR era metonímia local. Era preciso paciência e um ou dois homens de boa vontade sinalizando de cada lado da pista para que os viajantes parassem. O azar maior era morrer na véspera de carnaval. Má sorte dupla. Perder a festa e custar mais pra chegar do lado de lá. Não me lembro de algum motorista ter interrompido seu trajeto para o litoral sem um apito insistente de polícia. Esses eram os costumes e pertenciam unicamente à gente de lá. “A luz no outono é mais bonita”. Esse resto de sol beliscando a foto provavelmente não encostava aqui na estação passada. Os raios refletidos pelo vidro de umas garrafas de vinho largadas junto à parafina dura que as velas derreteram. Restos de góticas noites de bebedeira. Vestígios de alguma saudade manifesta em forma de luz titubeante e efêmera.

13 julho 2010

pt 1

"Vem! Vou te mostrar." E caminhamos correndo entre lápides, mausoléus, alguns despidos de riqueza, a maioria ornamentada com anjos, cruzes, enfeitada com jarros, flores, identificada por fotografias que nunca eram coloridas. "Ela tem o meu nome e morreu com a idade que terei daqui a alguns meses". Era abril, provavelmente, o aniversário dela eu não sei. Nem 18 anos ainda e um destino traçado na fatalidade. A pele tão branca quanto a cal daquele túmulo, que escorria um bocado a cada chuva, pouco resistindo às intempéries. Nós dois de pé, eu sem saber o que dizer diante da foto, da frase e da flor. Certamente foi ela quem trouxe, um ou dois dias antes, aquelas rosas. Rosas! Destoavam dos cravos vizinhos, do mato que crescia nos corredores irregulares entre as construções de concreto, pequenas edificações funestas, às vezes nas quinas, nas frestas, como se fossem os pelos daqueles defuntos cujos parentes já não se importavam, talvez nem se lembrassem como encontrar a ossada que um dia abraçaram e disseram que amavam. "O que você acha? Não é linda?" A morta? A foto da morta? A frase na lápide da morta? A visitante que admira a lápide, a frase e a foto da morta? Eu não saberia responder, exceto com uma cara de sofrimento que poderia ser causado pela pergunta ou pela fatalidade, sensibilidade ao destino da garota e compreensão àquela admiração que na verdade eu não entendia. Longe, lá onde ficava o que toda gente apelidou de gavetas, edifícios de cinco ou seis andares onde se empilhavam cadáveres, criados em um surto de verticalização que poderia equiparar o cemitério à metrópole, amontoava-se um grupo de pessoas de cores sóbrias. Por que nos afastamos? "Já acabou o enterro. Não adianta fazer nada"

11 abril 2010

daqui onde estou, a luz que entra pela janela tem o alaranjado certo. você me cobre, seu rosto e o meu trancados por essas grades curvas. a música descreve o passeio e a grama que não são nossos, mas os adotamos como sendo. "algum compositor desatento se esqueceu dos navios", sussurro, nesse sol dividido a dois. vemos sua luz caminhar pelo chão do quarto até sumir novamente pelo vidro no fim do dia. ele entra quando você chega trazendo o café, beija minhas costas e me empurra para o chão do quarto. na hora de comer, ele parte o pão com manteiga em dois, e ele, que dividimos, também divide o que é nosso. a certeza de que não preciso de mais do que você e ele me trazem faz com que eu permaneça quieto, pensando se você vem ou se terei de novo que busca-la em outras. cidades, noites, luzes com a intensidade e temperaturas certas.

25 março 2010

Pensei nisso quando deixei a cidade onde moramos para uma temporada de dez dias naquela província vizinha. Não foi exatamente quando cruzava a ponte sobre o rio que separa os territórios, o que nasci do que escolhi pra viver, mas alguns dias depois. Andava pisando em pedras escorregadias, chovia, acabara de sair de uma sessão de cinema na qual exibiram um thriller policial nada empolgante, ambientado em um território de fronteira. Foi quando me dei conta de que essa, a da fronteira, seria a melhor metáfora de nós dois. Talvez tenha sido o isolamento que me forcei a experimentar; os dias e noites sem falar com ninguém além do necessário para o trabalho que me sugou aqueles dias – e não falar com alguém, aqui onde estou, é desafio dos mais ingratos. Vi outros filmes. Em um deles, um caminhoneiro cruzava solitário fronteiras imaginárias, em nome de um serviço que nem ele sabia bem a que se propunha, mas para o qual lhe pagavam muito bem. Nesse enredo entediante ele se permitia, ao contrário da trama que desenhei pra mim, encontros fortuitos com andarilhos, putas de beira de estrada e outros habitantes fluidos das margens das rodovias. Nesses dias, você me surgiu vez ou outra na tela do computador, na do telefone celular, mas sobrava pouco espaço para que eu imaginasse seu rosto e seu corpo. Eram apenas palavras, e eu evitei estimular essa presença tecnologicamente possível, essa união virtual, como forma de descobrir o quanto ainda era capaz de pensar em você se não fosse obrigado a te ver todos os dias. Ainda não tenho uma resposta. Do que vivi, uma lembrança ainda me acompanha; era um pensamento recorrente naqueles dias. Você na janela do primeiro andar, seu cabelo negro agitado pelo vento, seus olhos pousados na calmaria da rua; e eu do outro lado, atrás da grade cinza, do muro branco, na varanda mal iluminada com o chão decorado por flores de cimento plantadas de modo irregular. Quando você saiu dali, pensei que nunca voltaria a te ver. Mas logo depois você cruzou a linha, atravessou a rua e veio bater aqui. Imagino a porta do guarda-roupa aberta, você escolhendo sua melhor capa de chuva – porque naquele dia também chovia e porque descobri depois que capas de chuva eram uma obsessão colecionável – e seu corpo escorrendo lentamente pelas escadas circulares do edifício.

21 março 2010

"Nada de aeroportos", ela disse. Ele concordou imaginando como seria fazer sexo no saguão vazio do terminal de desembarque. Mas era o oposto disso que acabavam de concluir: romantismo. Por isso o encontro marcado na praça daquela capital europeia. Ela já havia dito que "tudo é naturalmente sofisticado" e ele olhou pela janela, viu os flanelinhas da rua, lembrou do cheiro do esgoto em uma das avenidas movimentadas da cidade e concluiu que sofisticação e fedor não poderiam nunca caminhar juntos. Aquiesceu, como sempre fez, dizendo um sim seguido de uma piadinha. Com ela, havia atingido o ápice de sua ironia, conseguindo equilibrar lindamente elegância e sarcasmo.

o que havia lhe chamado a atenção eram as pernas. tinha um banco verde de madeira na mesma praça. as pernas no banco, ou as pernas fora do banco, quase maiores que o banco. as pernas. decidiu escrever sobre elas, mas logo pensou que era um erro: nunca esse tipo de coisa provocou seu interesse ou literatura. depois houve o branco, o banco branco, onde tudo se confundia como numa aliteração. e assim as noites se seguiram, e nelas ele os bancos e as pernas.

já pelo final, largada na última linha de uma carta: "para um porvir totalmente incerto", a sentença que parou de ser frase e virou destino.

15 março 2010

Quando acordei, você descia as escadas do meu sonho. Era seguida por alguém, mas não me lembro muito bem hoje. Sei que naquela manhã de céu azul, um sábado ou domingo, coloquei a mesa do café-da-manhã no quintal e fui à padaria. Quando voltei, era dezembro, você tinha partido. O queijo inteiro, a manteiga sem marcas, as xícaras limpas e nenhum bilhete. Esperei até o café esfriar. Foi quando percebi que não havia retorno. Tentei dormir novamente e voltar para o sonho. Antes de cochilar, imaginei seus pés pisando as escadas, como se pudesse rebobinar, e tentei recriar os detalhes daquela noite em que estive ausente. Abraçava o sofá com mais força quando ouvia os sons que vinham do andar de cima, descendo os mesmos degraus que você pisaria logo mais. Provavelmente esse alguém você havia encontrado em alguma rua escura do Centro, ele teria dito algo como se quisesse e pudesse te consolar e o resto eu ouvi do andar de baixo, depois que deitei bêbado naquele sofá. De ressaca, ainda te espero nas manhãs de sol, nos sábados ou domingos de quase verão. Mas dessa vez queria que você chegasse trazendo os pães.

12 março 2010

o caso do fusca

Do Doutor Eros meu pai dizia é como o Brasil: grande, mal-acabado e sem futuro. Na rua, os adultos o tratavam com respeito embora não contivessem um risinho engraçado depois de algum trejeito menos viril. Comentavam ainda os alunos mais velhos do colégio é veado. Era também advogado, essa casta tão pura dos profissionais liberais. E vivia bem assim, desfilando seu corpanzil pelo centro da cidade, entre o fórum, os cartórios e as reuniões na frente da padaria nas quais se debatia a política local. Seu compromisso com a cidade, no entanto, não se dava ali no calçadão da praça, mas se manifestava nos botecos mais sujos. Era nos bares menos frequentados, em uma mesa geralmente solitária, que Eros bebia sua cerveja, pedindo ao garçom que trouxesse um copo limpo a cada garrafa aberta. Mas qual boêmio não leva à mesa uma velha mania?, defendiam-no os conhecidos da praça.

E foram essas as testemunhas de uma de suas grandes façanhas. Conta-se que era mau pagador - e aqui apenas relato o que está grafado eternamente na memória dos homens do lugar, baú onde repousam as histórias que andaram por anos sendo moldadas no calçamento irregular das ruas e me foram narradas durante um café numa de suas esquinas. Era, portanto, mau pagador e havia comprado a prazo uma bateria para o seu Fusca branco 73.

Difícil seria não esbarrar com o credor no meio da rua e foi o que aconteceu certo dia e na frente dos amigos. Cobrado, reagiu friamente e com incrível desapego. Ninguém entendeu quando assumiu a dívida e falou pode tirar a bateria lá do carro. Meio atordoado mas disposto a se mostrar valente, foi o cidadão simples retomar o produto da discórdia. E ali, futucando no capô do fusquinha, foi abordado por uma dupla de policiais que não acreditaram em nenhum dos argumentos de defesa daquele pobre acusado de roubar o veículo do ilustríssimo senhor doutor Eros.

27 fevereiro 2010

Um dia desenhei meu desejo em quadrinhos, um preto e branco com quase nada de tons de cinza dispostos em sequência numa página A4. Começava mais ou menos assim: a imagem de uma música, a letra, na sua camiseta branca, o enquadramento fechado, logo seu rosto em close e depois o ambiente, aquela festa sem graça na qual me diverti tentando descobrir seu sotaque. Agora você zomba do meu, mistura de tantas falas de tantos lugares e um leve acento nos sons nasais, a arte de ser fanho ou coisa parecida. No meio da rua, te conto aquela piada da turma de amigos que queria entrar de graça numa festa e usou a artimanha de se anunciar como a “banda”. Os seguranças meio que acreditaram, até o último da fila, um fanho incorrigível, dizer que era o “antor”. Você ri, mas é só mais uma piada infame, daquelas de tio, que eu memorizei das festas de fim de ano da família. As festas de família, os jantares, as ceias de natal, a contagem regressiva do ano novo. Era nessas horas que eu mais sentia sua falta, quando não havia onde se esconder da solidão tremenda, nem o refúgio dos livros ou da música alta, das drogas leves ou das bebidas pesadas. E agora você na minha frente, eu sem saber como dizer. Vou pra casa e escrevo esse maldito texto infantil com referência a quadrinhos.

08 junho 2009

Olho de Gato Perdido (Documentário, 52min)
Em rede nacional:
quinta-feira, 23h, TV Brasil
sexta-feira, 22h40, TV Cultura