Do Doutor Eros meu pai dizia é como o Brasil: grande, mal-acabado e sem futuro. Na rua, os adultos o tratavam com respeito embora não contivessem um risinho engraçado depois de algum trejeito menos viril. Comentavam ainda os alunos mais velhos do colégio é veado. Era também advogado, essa casta tão pura dos profissionais liberais. E vivia bem assim, desfilando seu corpanzil pelo centro da cidade, entre o fórum, os cartórios e as reuniões na frente da padaria nas quais se debatia a política local. Seu compromisso com a cidade, no entanto, não se dava ali no calçadão da praça, mas se manifestava nos botecos mais sujos. Era nos bares menos frequentados, em uma mesa geralmente solitária, que Eros bebia sua cerveja, pedindo ao garçom que trouxesse um copo limpo a cada garrafa aberta. Mas qual boêmio não leva à mesa uma velha mania?, defendiam-no os conhecidos da praça.
E foram essas as testemunhas de uma de suas grandes façanhas. Conta-se que era mau pagador - e aqui apenas relato o que está grafado eternamente na memória dos homens do lugar, baú onde repousam as histórias que andaram por anos sendo moldadas no calçamento irregular das ruas e me foram narradas durante um café numa de suas esquinas. Era, portanto, mau pagador e havia comprado a prazo uma bateria para o seu Fusca branco 73.
Difícil seria não esbarrar com o credor no meio da rua e foi o que aconteceu certo dia e na frente dos amigos. Cobrado, reagiu friamente e com incrível desapego. Ninguém entendeu quando assumiu a dívida e falou pode tirar a bateria lá do carro. Meio atordoado mas disposto a se mostrar valente, foi o cidadão simples retomar o produto da discórdia. E ali, futucando no capô do fusquinha, foi abordado por uma dupla de policiais que não acreditaram em nenhum dos argumentos de defesa daquele pobre acusado de roubar o veículo do ilustríssimo senhor doutor Eros.
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