21 março 2010

"Nada de aeroportos", ela disse. Ele concordou imaginando como seria fazer sexo no saguão vazio do terminal de desembarque. Mas era o oposto disso que acabavam de concluir: romantismo. Por isso o encontro marcado na praça daquela capital europeia. Ela já havia dito que "tudo é naturalmente sofisticado" e ele olhou pela janela, viu os flanelinhas da rua, lembrou do cheiro do esgoto em uma das avenidas movimentadas da cidade e concluiu que sofisticação e fedor não poderiam nunca caminhar juntos. Aquiesceu, como sempre fez, dizendo um sim seguido de uma piadinha. Com ela, havia atingido o ápice de sua ironia, conseguindo equilibrar lindamente elegância e sarcasmo.

o que havia lhe chamado a atenção eram as pernas. tinha um banco verde de madeira na mesma praça. as pernas no banco, ou as pernas fora do banco, quase maiores que o banco. as pernas. decidiu escrever sobre elas, mas logo pensou que era um erro: nunca esse tipo de coisa provocou seu interesse ou literatura. depois houve o branco, o banco branco, onde tudo se confundia como numa aliteração. e assim as noites se seguiram, e nelas ele os bancos e as pernas.

já pelo final, largada na última linha de uma carta: "para um porvir totalmente incerto", a sentença que parou de ser frase e virou destino.