17 julho 2010

pt 2

O carro de som que passou de manhã anunciando se calou estacionado junto ao muro. “O féretro partirá às quatro da matriz”. Féretro. Claustro. Da categoria palavras sinuosas que vão caindo em desuso terminadas em tro. Hoje eu sei que féretro só era féretro pra gente de lá. O caixão sacolejando nas ruas de pedra, empurrado ladeira acima, perseguido – mais do que acompanhado – de perto pelo povo. O ato derradeiro: cruzar a rodovia. Onde já se viu? Atravessar a BR era metonímia local. Era preciso paciência e um ou dois homens de boa vontade sinalizando de cada lado da pista para que os viajantes parassem. O azar maior era morrer na véspera de carnaval. Má sorte dupla. Perder a festa e custar mais pra chegar do lado de lá. Não me lembro de algum motorista ter interrompido seu trajeto para o litoral sem um apito insistente de polícia. Esses eram os costumes e pertenciam unicamente à gente de lá. “A luz no outono é mais bonita”. Esse resto de sol beliscando a foto provavelmente não encostava aqui na estação passada. Os raios refletidos pelo vidro de umas garrafas de vinho largadas junto à parafina dura que as velas derreteram. Restos de góticas noites de bebedeira. Vestígios de alguma saudade manifesta em forma de luz titubeante e efêmera.

2 comentários:

Anônimo disse...

"Cruzar a BR"!
Pura riqueza cultural!

Anônimo disse...

intiresno muito, obrigado