01 setembro 2006

há muito tempo não acontecia. alguns anos atrás, quando a mãe ainda servia seu prato no almoço, era comum deixar a mesa de repente e correr para a frente de casa. ficava ali, porta aberta, parado embaixo do alizar, a varanda à sua frente, do outro lado da grade a rua. e chegava a tempo de vê-la subir pela calçada oposta: os dedos da mão esquerda firmes entre os nós do pano de cozinha branco, o cabelo negro e solto, o quadril alternando como um pêndulo, o mesmo movimento que ele buscaria nas mulheres de todas as outras ruas das cidades pelas quais passou.

ela subia levando aqueles dois pratos de porcelana branca envoltos em pano branco e vestia sempre preto, saia e blusa. o marido, o irmão, o pai, o filho. alguém a esperava subir ladeira tão íngreme, uma destas figuras masculinas que, é certo, teriam a impaciência agravada pela fome. um homem que merecia dedicação de mulher, irmã, filha, mãe.

estático, ele esquecia de comer. vinham da mesa da sala de jantar os gritos pacientes da mãe e, ante o primeiro ruído de arrasto no assoalho da cadeira de cabeçeira do pai, respondia que estava voltando. teria ainda alguns segundos até que a perdesse de vista. na porta, na hora do almoço de todos os dias úteis, ele não queria mais a ordem da casa.

agora ele lembra. agora que é escravo de uma janela por onde vê passar o mesmo balanço em mulher outra. para alcançá-la será preciso arredar os móveis, remover os vasos de flores que tomam o sol da manhã na janela, pegar algum impulso e cair tropeçando naquele sapo de jardim.

Um comentário:

Anônimo disse...

e o que tinha no prato?
aposto que eram cocadas.
umas brancas e umas queimadas.

te vi na rua outro dia. conversando pelo muro.

está cabeludo, ãh?