10 junho 2008

chegou a hora de encarar o que eu escrevia com 17 anos de idade. uma agenda de couro marrom onde anotei todos os meus gastos (das passagens de ônibus às cervejas, ainda parcas) em 2000. nessa época eu morava em belo horizonte, fazia terceiro ano à tarde e tinha o bom costume de andar do colégio até a casa de um tio, onde dormia rodeado por literatura e livros de direito (dali tirei e li uma daquelas viagens do carlos castañeda e dois de três livros do jorge amado sobre os comunistas na era vargas). no caminho que ia da timbiras, no funcionários, até a desembargador alfredo de albuquerque, no santo antônio, eu subia a joão pinheiro, com seus casarões antigos e a lanchonete xodó, até a praça da liberdade. volta e meia eu desviava meu curso e ia parar no cine belas artes, pegava uma sessão gratuita de curtas às 18h ou assistia a algum filme sozinho, lembro muito bem de Estorvo, do Ruy Guerra, e de como saí chapado (era o início de uma "educação cinematográfica"). quando não tinha dinheiro ou saco para ir ao cinema, seguia em frente aproveitando o movimento das pessoas que andavam na praça no fim de tarde fresco da cidade, sempre olhando para o lado esquerdo, onde via as curvas do edifício niemeyer. naquele ano, o itamar franco, então governador, decidiu enfrentar fernando henrique cardoso com a artilharia pesada da polícia militar de minas gerais. do alto do palácio da liberdade, atiradores de elite miravam não sei o quê à frente, um tanque ficava estacionado próximo ao muro lateral e uma barraca de lona armada no jardim servia como abrigo às discussões sobre o rumo da batalha (ou eu acabei de inventar todas essas imagens?). acho que não! depois de cruzar um pedaço da savassi, passava em frente ao café com letras (não tinha nem um tostão para gastar ali) e às vezes esticava até o unibanco savassi, salinha miúda onde vi, com minha mãe, em 1996 muito provavelmente, "Segredos e Mentiras", do Mike Leigh. o napster mal tinha começado e na mesma rua havia uma locadora de cds. uma vez loquei o "The battle of Los Angeles", do Rage Against the Machine, e o "There is nothing left to lose", do Foo Fighters. sempre gostei mais do rage e entre os 17 e os 18 minha preferência era o que eu rotulava como rock político. nessa etiqueta eu colocava dead fish, rage, chico science e nação zumbi, o rappa e... que merda de rótulo eu fui inventar? a avenida do contorno eu atravessava em frente a um sex shop e seguia um quarteirão na leopoldina, rua famosa pela vaquinha que já mudou de roupa várias vezes. virava à direita e, pronto, tava em casa. se eu quisesse outra experiência urbana, eu seguia pela rua da bahia direto, um quarteirão acima da joão pinheiro, e passava por mil bares e cafés que se enchiam de gente, até chegar à contorno, mas esse percurso eu raramete fazia. isso tudo não importa a muita gente, importa dizer que eu escrevia mal. na agenda restam três textos de tamanho médio e alguns comentários. esses reativaram a memória que já ia se apagando: "Show no Expresso da Meia-Noite. Putrifocinctor (punk), Slush e Mel Azedo (banda do Tingles)... doido demais". Expresso era um bar fechado, com sinuca no primeiro cômodo e um palco nos fundos e Tingles, um amigo de amigos. sua banda tinha dois hits absolutos: "Beco sem saída" e "Vovó matou o neném". mais do que títulos para as músicas, essas eram as frases repetidas à exaustão na velocidade dos refrões grudentos e inesquecíveis ("eu entrei num beco sem saída, eu entrei num beco sem saída"). isso foi em 20 de maio. oito dias depois fui a Lagoa Santa explorar umas cavernas. estalactites, gmites, desenhos rupestres, essas coisas. depois escrevi: "curso de espeleologia: do caralho. Laura, espeleóloga...". nem precisa dizer, era uma estudante linda de geografia da ufmg. na agenda também estavam tíquetes de cinema (apenas 3, de um shopping. o belas artes, como o metrópolis, não deixava recordações em papel), ingressos de shows e festivais de colégio (naquele ano fui a 4, sensacionais. assisti diesel, hoje udora, em 2, somba em outro e mil outras bandinhas divertidas). foi minha primeira e única tentativa de um diário que nem era tão diário assim. abandonei as agendas para fins de recordação e daqui a alguns anos, quando tiver que jogar alguma coisa fora para limpar espaço na memória, terei apenas que apagar alguns posts desse blog.

3 comentários:

Darshany L. disse...

sempre achei mais prático digitar

dadys disse...

eu também tinha um diário (meninas sempre têm né?), mas escrevia as coisas mais idiotas e banais. ainda bem que ele se foi.
;)

:*

ignez disse...

caraleo, isso nao ia dar certo comigo.. todo dia eu ia apagar um post diferente!
;**