25 setembro 2007

música como companheira

eu nunca tinha escutado um disco de rap e não sei porque comprei, em um camelô, por cinco reais, "Sobrevivendo no Inferno", dos Racionais MC´s. Era 1999, dois anos depois do lançamento, e o ambiente não favorecia um encontro semelhante. Com uns amigos tinha ido para Caputira, uma cidade esquisita perto de casa, para ficar hospedado numa fazenda com mais de cem mil pés de cafés e curtir a festa da cidade. Uma das atrações era o Latino e a única coisa que a gente fazia era beber run, ficar na piscina e ouvir música.

ouvi o disco no carro de alguém e não consegui parar de escutar durante alguns meses. Ainda não havia Napster e na minha casa não tinha MTV. Meu maior desafio era decorar a letra de Diário de um Detento, sem saber que existia um clipe que ganhava prêmios. As lendas que rondavam a figura do Mano Brown eu só fui conhecer alguns anos depois, mas só me prendi mesmo ao lance de se preservar em relação à cobrança da mídia.

ao contrário de todos os textos que lia sobre a banda e o letrista, elevando Racionais à categoria de referência para os pobres e Mano Brown à de líder revolucionário, nunca depositei na música feita por eles esperanças de resolver os problemas. É arte, pura e simplesmente. Há o discurso, mas com o passar dos anos e dos discos, e o próprio líder admite, o radicalismo arrefeceu, dando lugar a uma postura de aceitação a todo tipo de posicionamento ("Discurso é corda para se enforcar").

o que não significa esvaziamento de conteúdo. Acho a atitude de valorização do "eu" - de que cada "mano" é um indivíduo que deve buscar em si mesmo, e não em exemplos maiores, seu diferencial e seus talentos - madura e honesta. Mano Brown se esquiva com razão e bom senso da figura de herói e "bom exemplo" ("Eu sou eu").

cinco anos depois do pirata de camelô no interior de Minas, "Nada Como Um Dia Após o Outro Dia" eu comprei original, numa loja em Guarapari. R$ 23,90. duplo. preço honesto.

#1 tudo isso pra falar da entrevista do cara no Roda Viva, agora há pouco. Inseguro no início, à vontade a ponto de sorrir do meio do programa em diante, Mano Brown revelou, durante pouco mais de uma hora e meia, suas idéias e suas contradições ("As contradições só acabam quando morre").

chamou os traficantes de comerciantes. Igualou a cachaça 51 à maconha e os traficantes aos donos da Ambev. Deixou claro seu descrédito quanto à classe média, que ele chamou de finada. E, acima de tudo, reafirmou sua arte e sua humildade ("Eu sou um cidadão. Não sou líder de nada").

Um comentário:

ana disse...

É bacana a participação desses mc's na educação não-formal. A escola costuma deixar de fora a cultura afro. eles não.

Abraço!