Um dia desenhei meu desejo em quadrinhos, um preto e branco com quase nada de tons de cinza dispostos em sequência numa página A4. Começava mais ou menos assim: a imagem de uma música, a letra, na sua camiseta branca, o enquadramento fechado, logo seu rosto em close e depois o ambiente, aquela festa sem graça na qual me diverti tentando descobrir seu sotaque. Agora você zomba do meu, mistura de tantas falas de tantos lugares e um leve acento nos sons nasais, a arte de ser fanho ou coisa parecida. No meio da rua, te conto aquela piada da turma de amigos que queria entrar de graça numa festa e usou a artimanha de se anunciar como a “banda”. Os seguranças meio que acreditaram, até o último da fila, um fanho incorrigível, dizer que era o “antor”. Você ri, mas é só mais uma piada infame, daquelas de tio, que eu memorizei das festas de fim de ano da família. As festas de família, os jantares, as ceias de natal, a contagem regressiva do ano novo. Era nessas horas que eu mais sentia sua falta, quando não havia onde se esconder da solidão tremenda, nem o refúgio dos livros ou da música alta, das drogas leves ou das bebidas pesadas. E agora você na minha frente, eu sem saber como dizer. Vou pra casa e escrevo esse maldito texto infantil com referência a quadrinhos.