15 agosto 2005

ocupação

o tempo para ele era vertical. contava os dias no sobe e desce do edifício de corredores verdes, de lâmpadas com sensores de movimento e extintores de incêndio com prazo de validade expirado. não recebia salário para tanto. sentia-se só no aperto do seu quarto e sala. rodava, preenchendo com o movimento do corpo todos os ângulos, sentido horário e anti-horário, as diagonais, todos os metros quadrados do apartamento. mas não bastava e saía.

investia todo seu potencial no elevador do prédio e era comum encontrá-lo ali nas tardes de domingo em que o tédio sobressaía. tornou-se íntimo daquele espaço e sob a luz difusa e com a ajuda do espelho conhecia muito bem todos os moradores e as visitas que os moradores recebiam. sabia que a garota do 801 só fazia a compra do mês próximo ao dia vinte. pode parecer bobagem mas se ela compra com o cartão de crédito, a fatura chega no dia vinte do mês seguinte e isto é uma forma de protelar a vida por 30 dias, pensava.

conversava e ouvia histórias. o condomínio, em reunião, creditava a ele a harmonia dos traslados de elevador e o fim daquele papo sobre previsão do tempo. a barba cresceu, colocaram um banquinho para que suas pernas titubeantes suportassem um pouco mais.

ele fez amigos ali. e nunca precisou ir aos bares para conversar, nem ao cinema para imaginar fantasias humanas.

3 comentários:

lu. disse...

de algum modo me lembrou todos os nomes, do saramago. nao sei porque, mas veio a imagem na minha cabeça.
posso estar ficando louca.
:***

Anônimo disse...

ah, você escreve bem.
gostei do conto.
da onde você surgiu?

Anônimo disse...

isso é o seu personagem envelhecendo, moçoilo?

ainda vou descobrir o porque de a gente se esconder em histórias fictícias. tenho fé.