28 março 2006

não saberia ter prazer com outro. ela me disse, ainda ofegante, enquanto me apertava forte. na hora eu duvidei, preocupado. deitei ao seu lado e disse que não podia ser verdade e se fosse verdade não era boa coisa. eu não podia retribuir tamanha fidelidade, na verdade eu queria comer todas as mulheres que eu conhecia, a maioria das amigas dela até. mas isso eu não poderia dizer e falei que eu não iria ser o único homem na vida dela ainda que quisesse. e a partir daí ela se dedicou de modo inacreditável para que a minha mais sincera sugestão se tornasse certeza.

e nem as amigas dela. nem a terapia que venho sofrendo há meses. nem estes comprimidos azuis que me custam dinheiro e vergonha. nada me desperta do eterno sono no qual ela me enclausurou.

14 março 2006

hoje eu ouvi maria bethânia cantando teresinha, do chico. me lembrei de quando você cantou esta mesma música para mim, no ouvido, depois de duas cervejas sentados naquele bar. talvez este tenha sido o grande momento da minha vida no quesito declarações de amor, pelo menos eu pensei assim. naquela noite chuvosa entendi que eu era o terceiro e tinha chegado do nada, havia me deitado na sua cama e me instalado como um posseiro.

eu continuo sendo o terceiro, mas não o último. você encontrou o quarto, e nem o compositor havia pensando nesta hipótese. espero que a história seja um círculo e ele, o primeiro, levando para você um bicho de pelúcia. logo virá o segundo e te chamará de perdida. só aí, no final do ciclo, você se lembrará de mim e eu não te pedirei nada.

08 março 2006

Deixa tocar, ela dizia enquanto o telefone soava estridente. Sem culpa ignorava a campainha incansável e pedia que a abraçasse. E eu rangia os dentes ouvindo o toque repetitivo ressoar da sala até o oco da minha cabeça.

Agora, incansável, ligo todas as noites. E imagino o eco do telefone chamando pela sala vazia da casa dela e indo até o quarto onde ela sussurra as palavras que definem meu futuro no ouvido de outro.

Ainda me dói a cabeça a repetição exaustiva do toque do aparelho. (Onde eu deixei minha dentadura?)

05 março 2006

a vida nublada. horizonte totalmente encoberto e trilha feita de barro da chuva que passou. sem enxergar não posso dar um passo à frente sequer. ainda não comecei a afundar. e é pior ter que se manter de pé e caminhando, quando seria fácil se esconder sob a terra. e lá não pensar na segurança do próximo passo, no calor de um colo ofegante, no sabor da fumaça no prato. queria poder fazer o caminho de volta, repetir todo o percurso atravessado e retornar à primeira hora do que agora me estremece. e isto seria menos amedrontador do que seguir em frente.

alguns, como peregrinos cientes do seu destino, seguem em frente apesar das dúvidas. e mesmo que peguem atalhos ainda assim continuam, enquanto eu aqui parado acredito que a única saída é pensar em como as coisas foram boas por algum tempo.